Desde 1998 que vou para São Paulo sempre que possível e, se for fazer a média, devo ter ido, de lá para cá, umas 2 vezes por mês, sendo que, no início, ia bem menos.
De 2005 para cá que, ao passar a frequentar Theatro Municipal, Sala SP, CCBB, Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa, SESCs, MASP e outros mais, mas principalmente a Sala SP, comecei a ir com mais frequência.
A maioria das vezes vou de ônibus, poucas vou de carro e, quando vou de carro, em 90% das vezes fui dirigindo. Acontece que, dirigindo e sozinho, eu comigo mesmo, sexta-feira foi a primeira vez e, que tesão.
Por motivos que não sei explicar o "nosso carro" (vai lá, de minha mãe) não tem som e, ficaria feio eu ir dirigindo com amigos e fone nos ouvidos. Dessa vez não. Como estava sozinho, peguei meu I-pod, meu fone profissional que isola tudo ao redor e não me permite ouvir mais nada (a sensação que se tem é de transformar a vida em uma cena de cinema com trilha sonora, só música e imagem) e rumei para assistir o concerto da OSESP.
Juntando o prazer de dirigir e poder ir a 120KM/h pela Bandeirantes inteira (ainda que desejasse ir mais rápido) ao prazer de não ouvir ruído e ir escutando música erudita a viagem toda, só por isso já teria valido a viagem.
Eu ouvia Gustav Holst, The Planets, que foi tocada pela OSESP naquela noite. Que música fenomenal, PQP. E que execução foi aquela da OSESP? Impecável. Confesso que, no início, achei que o regente tinha exagerado pois, na gravação que ouço, começa mais suave, com menos volume, porém, para explicar sem complicar, os picos de volume sonoro nas partes mais fortes também eram maiores do que os picos de minha gravação, sendo assim, houve um certo equilíbrio, se é que se pode chamar assim. Acredito que esse maior volume tenha se dado pelo fato de que, provavelmente, a Orquestra que tenho a gravação, lançou o disco com uma quantidade menor de músicos.
Há um mês e pouco, quando comprei um Aphex 204 que realça harmônicos para masterizar sons, comecei a pensar sobre isso. Quanto mais harmônicos ou quanto mais força/volume os harmônitos têm, mais empolgante o som é. Basicamente, para ser curto e grosso, se a OSESP estava com mais músicos que a gravação que tenho e, portanto, seus harmônicos soavam mais fortes e volumosos, obviamente a execução dela, sem contar o fato de ser ao vivo, soaria beeeeem melhor para mim do que a gravação e, foi o que aconteceu. Só um adendo quanto a esse lance dos harmônicos. Acredito que seja por isso que uma graaande orquestra, um graaande coro, dão um graaaande impacto e emocionam bem mais que qualquer outra música "vagabunda". Não é por menos que Beethoven usa um baita coro na 9a Sinfonia por exemplo. Ou que Wagner e Mahler se utilizam de orquestras portentosas. Mas, outro adendo, eu digo isso mais intuitivamente, não tenho pretensão de afirmar isso como verdade e nem perderei meu tempo pesquisando esse assunto. Para mim tem a ver uma coisa com a outra e pronto.
Bom, voltando um pouco no tempo. O concerto começou com Brasiliana do Camargo Guarnieri e, essa música, que eu não conhecia, me lembrou sabe quem? Camargo Guarnieri. Principamente o Camargo Guarnieri das Sinfonias e da Suíte Vila Rica. Inclusive, se não me falha a memória, alguns pequenos trechos e frases que ouvi(creio que com duração de 2-3 ou 4 compassos no máximo) eu já conhecia. Ou seja, assim como Villa Lobos, Camargo Guarnieri tinha, por um lado, grande personalidade, a ponto de podermos identificar suas músicas e evocar outras na memória mas, por outro lado, em alguns momentos, várias pequenas frases são utilizadas em várias obras diferentes. É difícil dizer se esse "plagiar a si mesmo" é consciente ou se surge como idéia recorrente mas, se há um compositor vivo que pode responder a isso e também já se plagiou, este é Gilberto Mendes.
Em 2005 assisti na CPFL Cultura de Campinas, com mais 5 pessoas (incrivelmente eramos 6 na sala) a estréia Mundial de uma peça do Gilberto Mendes chamada Escorbuto, com texto homônimo de Flávio Viegas Amoreira. Havia uma frase/melodia que serviu de refrão a essa peça e dizia "Chuva no mar é desejo, chuva, mar, desejo". Um ano depois, mais uma vez, se não me falha a memória, outra estréia Mundial de Gilberto Mendes, dessa vez com a OSESP. A peça chamada Alegre trópicos: Um baile na Mata Atlântica que, assim como escorbuto, também tinha essa frase/melodia.
Acredito que por serem compostas na mesma época e ambas terem voz (apesar de uma ser música de câmara e outra para orquestra e coro), talvez essa idéia ou essa frase tenha ficado tão marcada que sem querer ele a utilizou duas vezes ou, quem sabe, tendo noção de que apenas 6 caboclos ouviram a primeira e, querendo passar sua idéia para mais gente, ela não tenha resolvido usar a mesma idéia de novo, para a Sala SP com suas centenas de pessoas??? Isso pode ser um argumento totalmente cabível já que, eu mesmo, assisti uma vez, com alunos da Unicamp, na Sala Carlos Gomes, sob direção de Denise Garcia, uma peça do Gilberto Mendes que não era tocada há mais de 30 anos.
Além de poucas pessoas terem escutado a primeira música (exatamente 6), o fato de o compositor não ouvir sua própria música, seja por ela não ter sido gravada, seja por não ser mais executada, também pode e deve ser usado como argumento a favor de isentar o compositor de estar se plagiando e de ser considerado pouco criativo. Até mesmo porque, sendo uma frase minúscula, basicamente uma citação (que poderia ter um paralelo com a sentença "noite escura" - e, sendo assim, todo mundo teria plagiado todo mundo), me faz ver, ao menos nessa questão, algo que não abale a estrutura criativa de tal ou tais criadores.
Além do Camargo Guarnieri, tivemos a estréia Mundial do Concerto para Percussão número 2 de Marlos Nobre. Confesso que conheço pouco do Marlos Nobre e, até então, só tinha ouvido a gravação de Kaballah, porém, com um currículo de dar inveja e pelo que já li dele, inclusive em entrevistas que ele cedeu, não há mais nada a dizer do que o fato de eu ter me decepcionado e muito com esse concerto.
Tudo bem, a percussão solista era executada por um verdadeiro virtuoso mas, além de ir até lá na expectativa de que não fosse usar instrumentos melódicos de percussão, o que configuraria uma maior exploração rítmica do solista, acho que a orquestra não foi muito bem explorada e, para finalizar, a percussão fazendo um pequeno solo no fim que, como os concertos à moda antiga, anuncia a proximidade do final da obra e, tchaaaam, um acorde orquestral para realmente finalizar a obra e demonstrar certo apreço para com essa forma "concerto" que, a meu ver, já não pode ser mais utilizada em nosso século, ao menos não dessa forma, fez com que eu realmente me decepcionasse. Esperava mais, bem mais. Pode até ser que ouvindo novamente, com outros ouvidos, eu mude de opinião mas, a sensação que tive foi essa.
Ah sim, antes que me esqueça. Não sou nenhum expert no assunto mas senti um certo resquício de Messiaen nesse concerto, principalmente no que tange à orquestração e, tendo o Marlos estudado com o Messiaen, talvez tenha a ver. Era inevitável eu lembrar da Persephassa do Xenakis que, mesmo não tendo orquestra, era para percussão, cinco percussionistas e, ouvi também na Sala SP, em 2006. Lembrando disso de volta para casa, já beirando meia noite, dirigindo no escuro e ouvindo Sofia Gubaidulina - a peça dela executada em junho deste ano -, lembrando dos momentos agradáveis (e que me são essenciais), vim feliz da vida.
Com a lembrança de Xenakis, de Gubaidulina, me vieram à mente o John Corigliano, Stocknhausen, Ligeti, Ferneyhough e mais alguns e, ficou evidente para mim: Marlos, assim como a maioria dos compositores brasileiros atuais (principalmente os que tem mais de 40-50 anos, o que praticamente é a maioria), podem até ter feito parte, em algum momento, seja nos anos 60, 70 ou até mesmo anos 80, de um seleto grupo de compositores "atuais", globalmente falando mas, hoje em dia, parece que tudo o que fazem, soa, de certa forma, datado, para não dizer ultrapassado.
Pode até ser um grande erro de minha parte dizer isso mas, percebo dessa forma. O Marlos poderia, hipotéticamente, claro, vir aqui e dizer que inovou (ou foi mais criativo que o normal) nisso, nisso e nisso nesse concerto mas, não consigo captar tais inovações, pelo menos não em uma única audição.
No dia seguinte teve algo igual mas diferente do que ocorre todo ano na CPFL. Improvisação livre com cinco músicos, dentre eles o clarinetista Montanha (que ano passado debulhou com Luis Amato e outros dois que não lembro agora, tocando o Quarteto para o fim dos Tempos do Messiaen), Dimos e mais três. Digo igual porque o módulo da Regina Porto todos os anos tinha improvisação livre e, digo diferente, porque improvisação livre sempre faz com que as coisas aconteçam diferentes umas das outras. Apesar de algumas pequenas intervenções soarem como repetidas ou, ao menos como repetições de técnicas já utilizadas em músicas/sessões anteriores (foram 5 músicas/sessões), o concerto foi bastante interessante.
O que eu gosto dessas improvisações livres é, pelo menos de todos os caras que já vi fazendo, a exploração de seus instrumentos ao máximo, ou seja, a já não tão nova técnica do "instrumento expandido". Para explicar de leve, som percussivo no violino ou outro instrumento de corda, seja batendo a mão no corpo de tal instrumento ou o arco mesmo, passar o arco num prato da percussão fazendo um barulho que é esquisito e interessante ao mesmo tempo, porém, bem difícil de ser descrito, etc. Podemos considerar esse pessoal meio discípulo do grande Walter Smetak.
Enfim, apesar de todo o prazer, de todas as sensações boas que a música me propicia como ouvinte, tenho começado a sentir falta de algo realmente novo. Parece que aos poucos vou ficando mais exigente. Isso já aconteceu quando "pulei" e deixei de acompanhar assiduamente orquestras como a Sinfônica de Campinas e Sinfônica da Unicamp para passar a focar mais na OSESP por exemplo. Tenho começando a me questionar se, agora, com o fim da graduação daqui um mês, se não é hora de eu ir para fora do País. Parece que a cidade de São Paulo, por mais cosmopolita que seja, não me comporta mais. Há quantos anos não fazem uma ópera do Wagner em SP? São pequenas coisas como estas e como o fato de encarar que, aqui, mesmo as "estréias mundiais" estão soando "conservadoras", que me fazem pensar em ir para outro lugar. Fico dividido entre Nova Iorque com o Lincoln Center (deve ser um tesão ter no mesmo quarteirão a Julliard School of Music, a Filarmônica de NY, o Metropolitan Opera House, etc) e Paris. Ah Paris, ali teria um lance plantado pelo Boulez, o IRCAM (que assisti esse ano no Festival de Música Nova e foi foda). Talvez nem NY nem Paris sejam "a ponta do Iceberg" mas, sem dúvida, me soam como dois possíveis degraus para subir.
Vai ver de repente só preciso mudar de "ares" e, o Rio de Janeiro, com a possível abertura da Cidade da Música, possa me fornecer isso, vai saber?
domingo, 15 de novembro de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário